LAURA CAPRIGLIONE
DE S?O PAULO
"O problema ? saber. Diariamente, recebo um zilh?o de alertas, me avisando de que estou perdendo algo imperd?vel. Fico com dor de barriga de ansiedade. Mas o pior ? que, toda vez que escolho um programa, logo depois descubro que o melhor ? aquele a que n?o fui."
O depoimento ? da publicit?ria paulistana A.P., 24, baladeira convicta, conectada 24 horas por dia, viciada no programa de troca de mensagens gratuitas WhatsApp, al?m do Facebook (em que coleciona 1.314 amigos).
Segundo o estudante e professor de ingl?s M.B., 27, 157 amigos no Facebook, as redes sociais, ao mesmo tempo em que aproximam as pessoas, acabaram aprofundando uma sensa??o de solid?o. "Quando descubro na rede que uma balada muito legal est? acontecendo, eu n?o consigo deixar de pensar que eu deveria estar l? tamb?m. Por que ? que ningu?m me avisou disso?", lamenta.
MITO DO 'IMPERD?VEL'
A.P. n?o gosta do papel de v?tima. Ela acha que essa sensa??o de "estar perdendo algo imperd?vel" faz parte do jogo de viver conectada. "Para evitar isso, s? entrando em uma caverna e jogando fora o iPhone e o laptop." A publicit?ria considera que "tem muito mito nessa conversa de imperd?vel". Quando est? em uma festa, ela confessa, faz quest?o de "bombar" o lugar, avisando a toda a sua rede de que est? sensacional --mesmo que n?o seja tudo isso.
"Sabe aquele cara que compra um carro zero ruim pra caramba, mas diz que o bicho ? o melhor do mundo, s? pra valorizar o investimento? Sou eu. Ahahaha."
O exibicionismo ? parte do jogo, v?rios internautas reconheceram. "Tem uma balada a que vou sempre; ? transmitida pela internet. Uma vez n?o pude ir e fiquei assistindo ?s pessoas dan?ando, dando tchauzinho para a c?mera. Quando come?ava a tocar uma m?sica de que eu gosto, pensava 'queria estar l?!' Sabia que tinha perdido algo", relata J.C.S., 20, estudante universit?ria.
"O que provoca esse vazio, tantos desencontros, ? n?o ter amigos reais, s? 'amigos-Facebook', aqueles que voc? -um carente profissional- aceita s? para se sentir popular", explica o produtor de v?deo N.A., 26, 838 amigos na rede social.
Para ele, "amigos reais" n?o ficam agu?ando desejos alheios s? para parecerem legais. "Eu tento usar o Facebook com responsabilidade, para n?o me ferir e para n?o ferir outras pessoas."
Mas ele est? ferido, admite. Separado h? tr?s anos, N.A., que morava em S?o Paulo, mudou-se para um s?tio -"Fui recome?ar a vida".
O recome?o ainda n?o deu muito certo, porque N.A. n?o consegue parar de entrar no perfil da ex-mulher. Ora com o pretexto de ver como est?o os filhos de tr?s e cinco anos, ora com o clandestino prop?sito de espionar.
"O que ela est? fazendo? Em que est? pensando? Est? engordando? Quem s?o os amigos com quem ela est? conversando? Ainda n?o consegui me libertar", diz.
"Sempre que dou um rol? nas redes, me sinto com saudades", afirma o professor M.B.. "? sempre inc?modo lidar com as saudades quando voc? encontra pessoas com quem teve algum n?vel de intimidade no passado.
Sabe aquela amiga com quem voc? morou h? anos, em uma rep?blica? Depois de dez anos, voc?, de repente, encontra-a em uma p?gina do Facebook, e ela mora em outros lugares, est? pensando outras coisas, tem outros amigos. ? quase imposs?vel um reconhecimento imediato; ent?o voc? se d? conta de que perdeu aquela pessoa."
Segundo Caterina Fake, cofundadora do Flickr, o medo de estar perdendo algo ? um velho problema que agora foi apenas exacerbado pela tecnologia. "O desejo ? um dos tr?s venenos do budismo", ela lembra (os outros s?o o ?dio e a ignor?ncia). Sempre foi assim, diz Fake. (LAURA CAPRIGLIONE)
Colaborou AGUIRRE TALENTO, especial para a Folha Livraria da Folha